II – ANTES DAS GRANDES APARIÇÕES -(1671-1673) -SANTA MARGARIDA MARIA CONFIDENTE E APÓSTOLA DO CORAÇÃO DE JESUS JEAN LADAME

Postado dia 16/07/2018

 

 

” Em 1671, a Ordem da Visitação era uma família religiosa ainda jovem, pois data do mesmo século. Fora fundada em Annecy, em 1610. Deveu à personalidade de seus fundadores, são Francisco de Sales e santa Joana de Chantal, sua extraordinária prosperidade. Multiplicaram-se as fundações: a Paray-le-Monial foi a 26ª, dezesseis anos apenas depois da fundação da casa de Annecy.

O mosteiro passou por grandes dificuldades iniciais e santa Chantal achava o local bastante fraco para uma grande fundação. Mas os jesuítas que se interessavam por ela fincaram pé e sua perseverança trouxe seu fruto. O convento prosperou. Em 1632, deixaram a casa primitiva por outra maior e as construções prosseguiram até quase a chegada de santa Margarida Maria. A ala norte do edifício foi ocupada pela capela; as restantes três alas por locais de serviço e quartos.

Quando Margarida Alacoque chegou, viviam nesta casa mais de 40 religiosas, inclusive rodeiras e irmãs conversas. Recrutavam-se as religiosas principalmente dentre a nobreza e burguesia dos arredores, mas, sobretudo em Paray mesmo. As moças de origem rica, contudo não vivem no luxo. No mosteiro trabalha-se muito e de diferentes maneiras. Um pequeno pensionato fazia parte do convento. Ali depararam suas vocações várias futuras visitandinas.

Bom número de religiosas, contemporâneas da santa, ficaram profundamente edificadas ao contato de Margarida Maria. A vida espiritual da comunidade era pouco fervorosa, quando da chegada dela. Deixava transparecer que as irmãs, a pouco e pouco, adormeceram na rotina das pequenas observâncias. Observam fielmente a letra, apegam-se por demais nela com prejuízo do espírito inculcado pelos fundadores. Daqui mínima generosidade para com Deus e infrações contra a caridade fraterna. Margarida Maria sofreu muito com isso. Mas Deus quer justamente servir-se dela como de vítima de reparação para arrebatar essas almas escolhidas do tédio e reconduzi-las ao fervor no claustro de Paray.

A novata foi confiada, desde o início, à mestra de noviças, irmã Thouvant, a mais antiga da casa e contemporânea da fundação. Consideram-na “uma coluna da observância” duma “severidade inexorável”. Para as noviças multiplica provações, pensando que assim pode conduzi-las melhor à santidade. Margarida Maria considera-a, contudo, seu “Jesus Cristo na terra” e lhe recebe as palavras como outros tantos oráculos.

Há muito tempo já nossa futura santa se entregava à contemplação sem saber que desta forma fazia oração. Interpelada a este respeito, a mestra das noviças aconselhou-a a ficar diante de Nosso Senhor “como a tela na frente do pintor”. Margarida Maria não entendeu a comparação e Jesus mostrou, então, à sua confidente que lhe quer reproduzir na alma todos os traços de sua vida sofredora; antes, porém, a purificará de todos os apegos terrenos.

Tomada de hábito e o noviciado

Depois de um postulantado de dois meses, no dia 25 de agosto de 1671, na festa de são Luís, a nova noviça recebe o hábito negro das filhas de são Francisco de Sales e acrescenta doravante o nome de Maria ao de Margarida. A senhora Alacoque e seu filho Crisóstomo assistem à cerimônia. Mas a irmã Alacoque, para quem começa o tempo dos esponsais com Cristo, está toda absorta nas doçuras sobrenaturais que lhe inundam a alma. Daqui por diante, essas graças místicas serão tão abundantes que nossa noviça, em certos momentos, não consegue mais agir: se a deixassem, passaria todo o tempo rezando. Ir. Thouvant acha que ela exagera. Na Visitação, tudo deve ser simples e ordinário, senão não serve para esta Ordem. A mestra aumenta as provações para Margarida Maria. Um dia, ao vê-la manifestar repugnância invencível de comer queijo, obriga-a a fazê-lo, apesar de tudo. Após rude combate, submete-se a noviça a tal penitência heróica e o suplício vai durar para ela nada menos de oito anos, o que lhe provoca, de cada vez, náuseas e vômitos. Mas não lhe declarou Nosso Senhor que “não há reserva para o amor”? Exige dela, sobretudo um coração sem partilha.

Em maio de 1672, a superiora do convento, irmã Hersant, ao cabo de seu mandato, demite-se do cargo e à frente da comunidade é colocada a madre de Saumaise vinda de Dijon. Irmã Thouvant submete-se para logo o caso da irmã Alacoque: está seguindo vias extraordinárias que parecem pouco compatíveis com o espírito da Visitação. De mais a mais, importa saber se não está sendo abusada pelas astúcias do demônio ou sendo vítima de suas próprias ilusões. Assim, para aclarar seu julgamento, decide a superiora retardar a profissão religiosa de Margarida Maria. Esta última teme ser mandada embora, exprime então os seus temores a Nosso Senhor: “Dize à tua superiora, responde ele a sua confidente, que não tenha receio de te receber: respondo por ti e serei a tua fiança”. Posta a par desta mensagem do céu, madre de Saumaise exige de sua filha a prática exata de todas as observâncias da regra. “Ajustarei minhas graças, replica Jesus, ao espírito de tua regra, bem como à vontade de tuas superioras e à tua fragilidade”. E, de fato, Margarida Maria se curvará, de ora em diante, a todas as prescrições de costume. Poderão, pois, admiti-la à profissão. Realizar-se-á a 6 de novembro.

A Profissão religiosa

O grande ato é precedido de um retiro de dez dias. Parte desse tempo, no entanto, transcorre para a nossa futura santa, como já estava habituada, a guardar a burra e o jumentinho das irmãs no cercado do mosteiro. Enquanto se ocupa desses animais, Nosso Senhor lhe faz fiel companhia e a cumula dos maiores favores espirituais. Em particular, num bosque de aveleiras, sem aparecer-lhe, Deus confere à sua eleita, luzes extraordinárias sobre sua Paixão e sobre o amor com que cumpria levar a cruz. Jesus, demais disso, pede-lhe que sofra como vítima para reparar os pecados secretos de suas criaturas. Mostra-lhe, então, a chaga do lado. Esta deve ser a morada atual e perpétua de Margarida Maria que deverá viver ali vida de todo o ponto divinizado. Por certo, arrostará o furor dos inimigos, mas Cristo a envolverá com seu poder e será o prêmio das vitórias dela.

A 6 de novembro, nossa religiosa emite os três votos de pobreza, castidade e obediência e desta sorte se torna esposa do Verbo encarnado que a cumula de imensas delícias interiores: “Apronta-te para me receber, porque quero fazer minha morada em ti e conversar contigo”.

Os entretenimentos místicos

A partir desta hora, com efeito, vão entabular-se longos diálogos entre Cristo e esta alma eleita. “Sábio e hábil diretor” espiritual que “sabe guiar as almas sem riscos, quando se abandonam a ele, esquecendo-se de si mesmas”. Jesus quer formar, ele mesmo, a sua confidente.

Lança-a primeiro em profundo aniquilamento e lhe faz sentir toda a sua indignidade. Depois lhe brinda com imenso desejo de se consumir toda no fogo do amor divino. Gostaria de se perder em Deus que lhe comunica a sua luz e que a abrasa de ardente chama interior. Destarte, na oração já não pode sujeitar o espírito a considerações nem tampouco aplicar-se a orações vocais. Contenta-se em ficar em silêncio na presença de Deus, em fazer atos de amor e em oferecer Jesus a seu Pai.

Ao mesmo tempo, o Salvador lhe fala, já “como amigo”, já “como o esposo mais apaixonado de amor.” Mas cometa ela um pecadilho, ele a repreende com severidade: “Sou puro e não posso aturar a menor mancha… Não posso tolerar almas tíbias e pusilânimes… Serei severo e exato em corrigir e punir tuas infidelidades”.

Margarida Maria busca, então, intensamente a presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. Reparam as irmãs como reza diante do tabernáculo, de mãos postas no peito, sem mexer-se nem tossir, como se fosse de mármore, com o semblante por vezes banhado de lágrimas. Se, nesse momento, lhe vêm falar, ela não ouve nada, salvo se lhe trazem uma ordem da superiora. Sente fome violenta da comunhão. Gostaria de receber todos os dias a Eucaristia. (No mosteiro só se comungava aos domingos, quintas-feiras e nas primeiras sextas-feiras do mês.) Além disso, deseja sofrer o mais possível, a fim de se unir mais à Paixão de Cristo. Deus, contudo, não quer que acrescente mortificações às que a regra já lhe prescreve. Ele mesmo, porém, se encarrega de fazê-las sofrer, acabrunhando-a ao peso de sua santidade de justiça, aquela que pune os pecadores e com o fardo não menos pesado de sua santidade de amor que é a que atormenta as almas santas e as associa à Redenção do mundo.

A madre de Saumaise e a irmã Thouvant estão perplexas diante da jovem professa que Deus conduz visivelmente por caminhos fora do comum. Margarida Maria bem gostaria de permanecer no espírito de sua família religiosa, de sorte que busca resistir à influência do divino amor sobre sua alma. Debalde, contudo, porquanto Deus absorve em si, por assim dizer, todas as faculdades de sua serva. Não quer, outrossim, que sua eleita se esquive do poder dele: “Eu sou o mestre absoluto de meus dons e de minhas criaturas e nada me poderá impedir de realizar meus desígnios”. Ao mesmo tempo, no entanto, pede a Margarida Maria que se submeta em tudo às superioras e nada faça do que ele próprio lhe ordena sem o consentimento delas, “pois amo a obediência e sem ela ninguém pode agradar-me”.

Madre de Saumaise recebe para logo comunicações dessas palavras dirigidas pelo céu à sua filha. O que dela exige a superiora, ao mesmo tempo em que a obediência à regra, é saber tudo que se passa nesta alma. Ordena-lhe, portanto, que escreva todas as comunicações que recebe do alto. Margarida Maria hesita. Repugna-lhe revelar assim as confidências que Deus lhe faz. Mas o Senhor manda-lhe que se dobre à vontade da superiora. Não deu, aliás, asilo à sua confidente na chaga do lado, lugar onde tudo se torna fácil?

Primeiras visões

No dia 1º de julho de 1673, Margarida Maria está no coro para o ofício das matinas, mas, sofrendo de perda de voz, não pode cantar. Ora, eis que no primeiro verso do Te Deum, percebe nos braços um menininho todo de luz, como se fosse o sol.

Receia nossa santa ser enganada por satanás. “Se sois vós, meu Deus, implora ela, fazei que eu cante os vossos louvores nesta hora”. No mesmo instante, recupera a voz e pode prosseguir com as irmãs no canto do Te Deum.

A 4 de outubro seguinte, na oração, Deus lhe mostra são Francisco de Assis, na luz da glória mais alta, por causa de seu amor da Paixão e de sua conformidade com a vida de sofrimento do Salvador. Dá-lhe por guia o “Poverello”. Doravante ele a conduzirá nas penas e padecimentos que terá de aturar.

Assim, após três anos passados no mosteiro de Paray e um ano de profissão religiosa, Margarida Maria já é uma grande mística. Apoderou-se Deus da vontade dela e, a pouco e pouco, lhe foi moldando a alma. Aparelhou-a a receber, para, em seguida, levar ao mundo a grande mensagem de amor que breve lhe vai confiar, a fazer que os homens conheçam o amor apaixonado e desconhecido de seu divino Coração.”..