A PRIMEIRA SEXTA FEIRA DO MÊS DE DEZEMBRO – Santo Afonso Maria Ligório

Postado dia 30/11/2017

Coração de Jesus, modelo de fidelidade[1].

 

 

 

 

Oh! Quanto o belo Coração de Jesus é fiel para com aqueles que ele chama a seu santo amor! Ele não pode deixar de cumprir tudo o que prometeu.  Ora, ele prometeu ser fiel; ele diz a cada alma que se lhe quer dar: Pois que me dais vosso coração, consinto também em vos dar o meu, contraio aliança convosco; desposo-vos para sempre.

Muitas vezes acontece, ai! Que a alma cai na infidelidade e abandona a Jesus Christo; mas ele mesmo abandonar a alma primeiro, faltar-lhe na fidelidade é o que nunca aconteceu nem jamais acontecerá. O que acontece sempre é o seguinte: Jesus tem um Coração tão fiel que. Quando é abandonado, traído, desprezado por uma criatura infiel, vai a sua procura, exortando-a, convidando-a, instando com ela para que torne á sua amizade. No mundo, quando um esposo se vê abandonado por sua esposa, longe de querer se reconciliar com ela, para sempre a repudia: mas o Esposo divino não procede assim; estimulado por amor extremo, ele faz todos os esforços para reconquistar a alma que o deixou: pede, explora, convida, promete, ora, suplica, a fim de que ela se digne ao menos responder a um Coração que nunca lhe faltou com a fidelidade.

Esta verdade é confirmada pelo exemplo da Synagoga, que, de esposa querida do Senhor, como ele se dignou lhe chamar, tornara-se adultera, abandonando seu Deus para se entregar a idolatria, e prostituindo-se assim, não a um só, mas a todos os demônios d’uma vez. Escutais o tocante discurso que lhe dirige o Senhor: “Tua infidelidade para comigo é enorme: tu me traíste e abandonaste para te entregar a uma multidão de horríveis amantes; tu me ultrajaste por tantos abomináveis adultérios. Quantos são os demônios ante os quais te prostraste[2]. Não há lugar que não tenha sido testemunha de tua infidelidade[3]. Si um homem chega a deixar sua mulher, e esta se dá a outro, acontecerá jamais que ele a torne receber, ainda quando ele mesmo fosse o primeiro a abandoná-la? Entretanto, vê a bondade de meu Coração! Bem que seja eu abandonado, traído, vergonhosamente, rejeitado de ti, convido-te, exorto-te e te conjuro a voltares para mim; estou pronto a receber-te.” E de que maneira, ó meu Deus, recebereis esta esposa infiel? “Ela me será tão cara como antes: eu a receberei com o amor d’outrora; quero até que ela me chame seu Pai, e me trate como esposo, guarda de sua virgindade, como si ela me houvesse sido tão fiel sempre, como eu a ela[4]. Venha sem temor; recebê-la-ei como minha filha ainda inocente, e como si nunca tivesse manchado sua virgindade.”

Tal é a linguagem cheia de ternura que o Senhor usava como a pérfida Synagoga: tal é também a que ele usa para com toda alma que lhe foi infiel. Que bondade! Que caridade!…Ainda que rejeitado e traído, ele corre após as almas que o abandonaram, e pede-lhe para voltarem para ele! Ai! O amável Jesus se vê muitas vezes traído: almas há que receberam d’ele singulares favores, e o deixam por uma miserável paixão. Sim, almas há que deveriam experimentar a mais pungente dor por não ver o Coração de Jesus amado de todos os homens, e conservam seu coração apegado ás criaturas.

Quase são as causas ordinárias d’esta infidelidade? Três: a falta de oração, o amor do mundo, e as paixões do coração.

A falta de oração faz que Deus nos retire seu socorro; e sem o socorro de Deus, não podemos observar seus mandamentos. Donde vem, dizia o sábio bispo Abelly, a relaxação que se nota nos costumes, senão da falta de oração? Deus está sempre disposto a nos enriquecer com suas graças; mas, como observa S. Gregorio quer que lhas roguemos e d’algum modo o forcemos por nossas importunações a nos escutar.

O amor do mundo dificilmente se concilia com a fidelidade a Deus. S. João nos diz: Todo o mundo é sob o poder do espírito maligno[5]; o que Santo Ambrosio explica assim: Todos os que vivem no mundo, estão sob o poder tirânico do pecado. O ar do mundo é nocivo á alma: aquele que o respira, contrai facilmente alguma enfermidade espiritual. O respeito humano, os maus exemplos, as más companhias, são causas poderosas que levam a separar de Deus; todos sabem que as ocasiões perigosas, tão freqüentes no mundo, perdem  grande numero d’almas.

Enfim, as paixões são nossos mais terríveis inimigos. Há pessoas que praticam muitas devoções, comunhões, orações, jejuns e penitencias corporais; mas desprezam vencer suas paixões, por exemplo, certos ressentimentos, certas aversões, certas curiosidades, certas afeições perigosas; não sabem suportar as contrariedades, desapegar-se de certas pessoas, submeter sua vontade à obediência. Estas pessoas são somente não atingirão a perfeição, mas, continuando a seguir suas paixões, vão de mal a pior e tornar-se-ão infiéis a Deus. A menor faísca que não se extingue, pode fazer arder toda uma floresta[6]; e uma paixão não reprimida pode conduzir a alma à sua perdição.

 

Pratica.

Quando eu perceber que me torno negligente na oração, meu coração se deixa ir ao amor do mundo, as paixões tomam ascendência no meu procedimento, renovarei minha resolução de ser todo para Jesus, dizendo com santa Ignez: Eu sou de Jesus; só quero a Jesus; consagro ao seu Coração amabilíssimo amor eterno.

 

Affectos e supplicas.

Ó meu Jesus, si todos os homens parassem para vos considerar na cruz com viva fé, crendo que sois seu Deus e morrestes para salva-los, como poderiam viver separados de vós e privados de vosso amor? E eu, sabendo bem tudo isto, como tenho podido vos dar tantos desgostos? Si os outros vos ofenderam, ao menos pecaram nas trevas, ao passo que eu vos ofendi em plena luz. Mas estas mãos traspassadas, este lado aberto, este sangue, estas chagas, que eu considero em vós, fazem-me esperar o perdão e vossa graça. Ó meu amor, aflito estou por vos ter desprezado; agora vos amo de todo o meu coração, e nada me contrista mais que a lembrança de vos ter ofendido: possa a dor que sinto ser sinal que me haveis perdoado! Ó Coração ardente de Jesus, abrasai meu pobre coração! Ó meu Jesus, morto pelas dores que vos causei, fazei que eu morra pela dor de vos ter ofendido e pelo amor que me mereceis. Eu me sacrifico todo por vos, que vos sacrificastes todo por mim.

 

Oração Jaculatoria.

Ó minha Mãe, Maria, tornai-me fiel ao amor de Jesus.

 

Exemplo.

A residência espiritual de S. Francisco de Sales era no Coração de Jesus. Aqui é que ele hauria como a sua verdadeira fonte, os suaves ardores de seu zelo. Tudo o que saiu de sua pena, respira o amor do Coração de Jesus. “Quanto o Senhor é bom, minha cara filha, escrevia ele a Santa Joanna de Chantal; quão amável é seu Coração! Moremos aqui, n’esse santo domicilio. Viva sempre em nossos corações este Coração. — Outro dia, na oração, considerando o lado aberto de Nosso Senhor, vendo seu Coração, parecia-me que nossos corações estavam em torno d’ele, e lhe faziam homenagem como ao soberano Rei dos corações.” No seu tratado do amor de Deus, ele diz: “Sim, certamente, ó Timotheo, o amor divino assentado sobre o Coração do Salvador, como sobre seu trono real, tem o olhar fixo sobre todos os corações dos filhos dos homens, porque é o soberano d’eles… Também, o amor divino d’este Coração ou antes este Coração do divino amor só tem olhar de predileção para os nossos. Ó Deus, si o víssemos como ele é, morreríamos d’amor para com ele.” Lê-se nas suas cartas: “Não é felicidade para nós o podermos encerrar nossos corações no Coração do Salvador? — Quando então o amor, triunfando de nossas inclinações, ver-se-á unido ao Coração supremo de nosso Salvador? —Ó minha filha, si considerais este Coração, é impossível que ele não vos agrade; porque é um Coração tão manso, tão suave, tão condescendente! Ai! Quem não amaria este Coração real, tão paternalmente maternal para convosco? — Ó minha filha, ponde vosso caro coração no lado aberto do Salvador, e uni-o a este Rei dos corações.” — S. Francisco escrevia também a Santa Chantal: “Ai! Si fosse necessário abrir nosso peito para acolher n’ele seu Coração, não o faríamos? — Minha cara filha, não somos filhos adoradores e servos do Coração amoroso e paternal de nosso Salvador? Não é sobre este fundamento que temos edificado nossas esperanças? Ele é nosso Mestre, nosso rei, nosso pai, nosso tudo.” Certa manhã, ansioso por dar curso a uma repentina inspiração, o bispo de Genebra toma a pena, e, ás pressas, escreve à sua santa cooperadora um pensamento que “Deus, diz ele, meu deu esta noite, a saber: que nossa casa da Visitação é, por sua graça, bastante nobre e considerável para ter suas armas, seu brasão, sua divisa e seu grito d’armas. Eu pensei então, minha cara madre, si nisto concordais comigo, que nos é necessário tomar por armas seu único Coração traspassado por duas flechas, cercado de uma coroa d’espinhos, servindo este pobre coração de pedestal a uma cruz, que o coroará e será gravada com os sagrados nomes de Jesus e Maria. Minha filha, eu vos direi, à primeira entrevista que tivemos mil pequenos pensamentos que me ocorrem n’este assunto: em verdade, nossa pequena Congregação é obra do Coração de Jesus e de Maria. Ao morrer, o divino Salvador nos deu nascimento pela chaga do seu Sagrado o Coração: é, pois, muito justo que nosso coração fique, por uma incessante mortificação, sempre cercado da coroa de espinhos que traspassou a cabeça de nosso Chefe, em quanto o amor o teve pregado no trono de suas mortais dores.”  O santo escrevia estas palavras proféticas em 1611: a bem-aventurada Margarida Maria nasceu em 1647 e teve sua visão do Sagrado Coração em 1675. Vê-se que as irmãs da Visitação eram destinadas por Deus a honrar especialmente o Coração de Jesus, e isto é tão evidente que, em 1657, Henrique de Maupas, bispo de Puy, já lhes dava o titulo de Filhas do Coração de Jesus.

 

 

[1] LIGÓRIO, Santo Afonso de Ligório. O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS SEGUNDO SANTO AFFONSO DE LIGORIO OU MEDITAÇÕES PARA O MEZ DO SAGRADO CORAÇÃO, A HORA SANTA E A PRIMEIRA SEXTA FEIRA DO MEZ COLLEGIDAS DAS OBRAS DO S. DOUTOR PELO PADRE SAINT-OMER, REDEMPTORISTA. TRADUÇÃO PORTUGUEZA FEITA DA 83ª EDIÇÃO PELO EXMO. REVDMO. SR. D. JOAQUIM SILVERIO DE SOUZA BISPO DE DIAMANTINA.  3ª EDIÇÃO. COM APPROVAÇÃO ECCLESIASTICA E DOS SUPERIORES DA ORDEM. RATISBONA TYPOGRAPHIA DE FREDERICO PUSTET. IMPRESSOR DA S. SÉ 1908

[2] Jer. 3.

[3] Jer 2,10

[4] Jer 3,4

[5] I.Jo. 5,19

[6] Jac.3,5