DOM DA LUZ, DOM DA MISERICÓRDIA E DOM DO SEU CORAÇÃO – R. P. MATÉO GRAWLEI-BOEVEY

Postado dia 28/12/2017
  1. – DOM DA LUZ

O cego clama[1]: “Senhor fazei que eu veja!” Mas há outro cego que não clama, e, todavia é bem mais cego que o primeiro: este é Nicodemos.

Ah! O olhar avassalador do Mestre no seu primeiro encontro!…

Imaginemos a perturbação daquela alma cega, com a aproximação e as palavras de Jesus! Que atração irresistível a dos seus olhos e do seu Coração, revelando-se em cada palavra luminosa!… Jesus avança, como um sol, de encontro às trevas desta alma. De certo, apesar da retidão e boa vontade, ela sente um choque fortíssimo, uma luta íntima… O respeito humano, sobretudo, deve-se-lhe ter oposto com toda a sua energia…

Combinam uma entrevista. Mas será de noite… Ei-los a sós, Jesus e Nicodemos. Ao separarem-se, Jesus, certamente, ter-lhe-á dito: “Eu irei a tua casa. Amo-te…” Nova entrevista e novo encontro das trevas com a luz… luz ardente que sai, resplendorosa como o sol, das palavras que pronunciam os lábios divinos de Jesus. Ela atravessa suavemente, mas profundamente as nuvens; derrete o gelo da alma do doutor da lei; calcina a rocha… E o sol triunfa… Nicodemos é vencido!… Quanto mais o mestre de Israel se esquece e se arranca aos preconceitos às paixões… a si mesmo, a grande Luz inunda-o…

Será assim também convosco. Não seremos filhos da Luz senão pela imolação; isto é, pela cruz de Jesus e pela nossa mesma cruz!

É sempre, mais ou menos, a história de Saulo no caminho de Damasco… A bondade do Senhor derriba-nos violentamente. Caímos abaixo do pedestal do nosso orgulho… e então, humilhados no sofrimento, ouvimos a voz de inefável brilho: “Sou Jesus de Nazaré!”

Ah! Se entre vós há almas tímidas, hesitantes, que venham junto do Mestre. Não tremam na sua presença; não receiem, e, sobretudo, não resistam ao seu chamamento amoroso, tomarem o caminho de Damasco, o Amor as derribará, as ferirá para cumprir nelas a sua obra de luz… Felizes os corações que o Mestre fizer sangrar, as almas a quem fizer chorar para Se lhes manifestar em todo o esplendor da sua arrebatadora beleza!

Esta salutar e providencial chuva de lágrimas purifica o céu, encoberto de espessas nuvens, faz cair às escamas que obscurecem os nossos olhos, e põe-nos face a face com Jesus. “Vede… Eu sou a Luz, diz Ele, segui-Me, e não andareis em trevas!…”

(Todos repetem em voz alta as palavras em itálico).

Senhor fazei que eu veja (3 vezes).

Jesus, Deus, dai-me luz, fazei que eu Vos veja (3 vezes).

Em todas as minhas cruzes fazei que Vos veja, ó Jesus (3 vezes).

(PAUSA)

  1. – DOM DE MISERICÓRDIA

Façamos uma aplicação da parábola do Bom Samaritano ao procedimento do Coração de Jesus com as almas. É a história de nós todos.

À beira do caminho jaz alguém roubado, despojado… Passam perto dele muitos indiferentes: ninguém se julga responsável pela desgraça desse homem; portanto contentam-se de olhar para ele… e seguem seu caminho. Se jaz em terra, deve ser por sua culpa… pague o que fez…

Tal é a pretendida justiça do mundo.

Precedido duma luz muito suave, alguém para junto do ferido… Envolve-o uma majestade doce e dominadora… No seu olhar brilha piedade, e bondade imensa na sua fisionomia de celestial beleza… Dir-se-ia um homem que vai romper em pranto; antes… um Deus de ternura infinita!

Sim! Ele… é Jesus!… o Homem Deus de todas as dores, de todas as misericórdias… Deus de majestade no caminho dos anjos… Deus de piedade no caminho dos homens, seus irmãos… Contemplemo-Lo com amor: Ele desce até junto do ferido… inclina-se… não: ajoelha-se ao lado… um instante mais… dá-lhe a beber as suas lágrimas, e agora envolve-o na sua túnica… Como é maravilhoso de bondade! Toma-o suavemente, amorosamente nos braços, e nisto corre, voa com o seu tesouro, que já começa a reanimar-se, a guarnecer ao calor do seu Coração!… Irá levá-lo a alguma hospedaria? Não!… Leva-o para sua casa!… E lá não o confia a mãos mercenárias, nem mesmo aos Anjos… Oh! Não! Que faz?

Põe-no nos braços de Maria, sua Mãe, pedindo-lhe que faça por este pobre ferido, o mesmo que fez por si no Presépio e no Calvário… E Ele conserva-se ao lado da Rainha do Amor… Não descansa de dia nem de noite, na sua missão de salvador… Ajudando a divina Maria, Ele mesmo pensa as feridas, lança-lhe o azeite e o vinho do seu sangue… o bálsamo dos seus ósculos… Lava-o e purifica-o na piscina do seu Coração!… Quando convalescer, veste-o como a um príncipe… Curado, conserva-o em sua casa, constitui-o seu herdeiro, trata-o como amigo íntimo, como filho mimoso…

Não é esta a história de nós todos? Sim, só Jesus, só Ele basta… Deixemos, pois desafogar-se o nosso amor! Cantemos e louvemos a misericórdia infinita, a piedade sem limites, do Coração do nosso Salvador.

As almas. – Jesus Rei, Jesus Irmão, Jesus Salvador e Amigo, Vós viestes trazer-nos a vida, e a vida superabundante… Descestes aos mais enfermos, aos mais aleijados, a curá-los, e restituí-los sãos Àquele que Vo-los confiou, – ao vosso eterno Pai. Ah! nós temos na verdade sido, ó Mestre adorado, a ovelha desgarrada, o filho pródigo, a dracma perdida, a cana meio quebrada, a luz extinta, o devedor insolvente, o servo, que matou o filho do Rei, a rocha duríssima, que não deixou frutificar a semente regada com o vosso sangue.

Perdão, ó Deus Salvador!

Perdão, ó Deus de Amor.

Perdão, ó Pai de infinita misericórdia, para as inumeráveis infidelidades da nossa vida passada… Ah! Como temos abusado dos tesouros inexaustos da vossa incansável misericórdia!… Perdão! E para de algum modo pagar a piedade, com que nos tendes tratado, queremos fazer-Vos violência em favor de muitos outros… São nossos irmãos, ó Jesus… São vossos filhos, que se debatem em meio dos abrolhos e espinhos do mundo, e do pecado!… Escutai-nos, pois, ó benigno Salvador.

Piedade para as crianças cuja inocência e fé naufragaram num lar infeliz… Por amor da Rainha do Amor, ó Coração do Rei Divino: Sede para eles Jesus.

(Todos repetem em voz alta as palavras em itálico).

Sede para eles Jesus!…

Piedade para a juventude, já arrancada ao vosso Coração, e que se revolve no perigoso turbilhão de prazeres doentios do mundo corrupto, sem levantar os olhos ao Céu!… Pela Rainha do Amor, ó Coração de Irmão amado: Sede para eles Jesus!

Sede para eles Jesus!…

Piedade para tantas famílias desgraçadas, que lutam, cantam e choram sem a luz da fé, o sustentáculo do vosso amor… Pela Rainha do Amor, ó Coração Amigo: Sede para elas Jesus.

Sede para eles Jesus!…

Piedade para a imensa multidão de cegos, que nunca tiveram no lar, na escola, a graça incomparável de Vos ouvir e conhecer… Graças, sobretudo, para tantos cegos voluntários que nunca Vos viram senão de muito longe, e não souberam nunca como Vós sois bom… Pela Rainha do Amor, ó Coração de Salvador: Sede para eles Jesus.

Sede para eles Jesus!…

Piedade para os agonizantes, particularmente para os que não foram maus, senão fracos, ignorantes e iludidos… Para os compassivos com os pobres e infelizes… Pela Rainha do Amor, ó Coração agonizante: Sede para eles Jesus.

Sede para eles Jesus!…

(BREVE PAUSA)

III. – DOM DO SEU CORAÇÃO

Enfim, como se os dons de luz e misericórdia não bastaram à liberalidade de Nosso Senhor, resume-os todos no do seu Coração adorável.

Recorramos ao Evangelho, pois esta beleza, toda divina, sobre passa quanto a humana sabedoria e eloqüência pode dizer-nos dela.

Quadro, que arrebata os anjos, o de S. João na última Ceia! Jesus instituía a Eucaristia… uma névoa de agonia e angústia assombra-lhe o semblante: Lá está Judas, que já recebem a paga da sua traição. Dir-se-ia que João adivinhara tudo nos olhos do Amigo divino. Para o indenizar, chega-se mais para Ele e, com uma simplicidade e confiança de pasmar os Anjos inclina a cabeça sobre o Coração de Jesus!… E Jesus nessa hora solene encosta o seu Coração ao seu discípulo amado. Dá-lho, e, num gesto de abandono, ambos se prendem com um nó mais forte que a morte…

Tinha João direito a este privilégio?…

Era puro, virgem no espírito e no coração, é verdade, mas começava apenas a amar… Não tivera ainda ocasião nem tempo para amar a seu Mestre até ao sacrifício da vida… Mas Jesus, amando assim, toma-lhe a dianteira no Amor. Ah! É necessário ser Jesus para desta forma oferecer tal dom, totalmente gratuito.

Ai! Exclamareis talvez desanimados, e quem é como S. João, sempre puro, generoso e dócil?!…

Sim: mas não receeis, pois temos no Evangelho outro quadro consolador a completar a lição.

No Calvário, ao pé de S. João e da Rainha Imaculada… Está Maria Madalena. Ambos – João, a pureza conservada, e Madalena, a pureza recuperada, recebeu em presença da Imaculada Conceição o dom integral do Coração de Jesus!…

Qual dos dois receberia a melhor parte, a mais íntima?

Só Jesus o sabe. Ele não o disse; mas esse mesmo silêncio é o mais irrecusável convite às duas categorias, que abrangem com poucas desigualdades, todo o imenso exército de almas que pela escalada do Calvário conquistam um eterno Tabor.

Deixemos, pois, desafogar a nossa alegria e reconhecimento numa oração, que Jesus desejaria fosse um verdadeiro canto de louvor, de exaltação, de agradecimento; um hino de amor ao seu Coração amante:

Ó Jesus, Vós abençoastes-nos, como nunca abençoastes, à vossa passagem, as flores do campo e os lírios dos vales… e nós temos sido os abrolhos e espinhos da vossa coroa. Mas não vos canseis de nós… Usai sempre conosco de misericórdia.

Ó Jesus, Vós abençoaste-nos, como nunca abençoastes os campos de trigo e os jardins da Galileia. E nós temos sido o joio criminoso da vossa Igreja.

Mas não Vos canseis de nós… Usai sempre conosco de misericórdia!…

Ó Jesus, Vós abençoastes-nos, como nunca abençoastes as avezinhas do céu, os rebanhos de Belém e de Nazaré… e nós temo-nos magoado, não confiando na vossa infinita bondade…

Mas não Vos canseis de nós… Usai sempre conosco de misericórdia!…

Eis porque, em reparação de amor, queremos terminar esta HORA SANTA, exclamando com o profeta: Espíritos angélicos, Corte celestial, bendizei a sua misericórdia para conosco…

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor…

(Todos repetem em voz alta as palavras em itálico).

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Sol, lua, estrelas, estendei o vosso manto de luz sobre o Tabernáculo, mil vezes mais santos que o de Jerusalém, cheio da doce majestade e doçura do Verbo feito carne e misericórdia para conosco.

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor!…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Luz da aurora, orvalho da manhã, nuvens de fecundidade, louvai a fecundidade da graça do Senhor… Bendizei a sua misericórdia para conosco…

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Oceano de bonança, oceano de tempestades, profundidades vivas do abismo, proclamai a magnificência do Senhor… Bendizei a sua misericórdia para conosco.

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Brisas perfumadas, tempestades devastadoras, flores e torrentes, cantai a glória do Senhor, bendizei a sua misericórdia para conosco.

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Neves, florestas, searas, vales, colinas, vulcões, cantai o poder do Senhor, bendizei a sua misericórdia para conosco…

Hosana ao Criador feito criatura e Hóstia por amor…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

Criação inteira vem em nosso auxílio, sempre a nossa impossibilidade em bendizer. Vem, vence com os teus cantos a blasfêmia, repara o silêncio e a frieza do homem ingrato e culpado… bendize, oh! Bendize a misericórdia do Senhor para conosco.

Hosana, Hosana ao Criador feito Menino, Vítima, Hóstia de Amor!…

Hosana ao Prisioneiro de Amor!…

 

Um Padre Nosso e Ave Maria pelos agonizantes.

Um Padre Nosso e Ave Maria pelo triunfo universal do Sagrado Coração de Jesus, especialmente pela Comunhão quotidiana, HORA SANTA e Entronização do S. Coração nas famílias.

Um Padre Nosso e Ave Maria pela nossa Pátria.

 

 

 

[1] HORA SANTA, Doze Exercícios para a vigília da primeira sexta-feira

e mais Sete para diversas circunstâncias pelo R. P. MATÉO GRAWLEI-BOEVEY

dos Sagrados Corações (PICPUS), Primeira Tradução Portuguesa, por

  1. Alexandre dos Santos, O. F. M. Edição do “Boletim Mensal”, Braga – 1928