Confiar no Amor – Pe. LOURENÇO SALES dos escritos de Soror M. Consolata Betrone Religiosa Capuchinha

Postado dia 07/12/2017

A confiança é à flor da esperança cristã. Porque não só nos faz tender com ânimo alegre para a Pátria celeste, mas também nos faz caminhar com desembaraço e sem paragens pelo caminho da santidade. Amor e confiança são, portanto, as duas asas com que a alma realiza os vôos mais ousados e paira acima de todos os píncaros. Se morre a confiança, esmorece também o amor, e a alma arrasta-se. O maior obstáculo às operações divinas na alma é, com efeito, juntamente com o buscar-se a si mesma, a desconfiança[1].

Na maioria das vezes faltamos à confiança em Deus por demasiada confiança em nós próprios. Então a alma, ao experimentar a própria impotência para o bem, aflige-se desmedidamente, dando lugar à perturbação. Devia ser o contrário. Não é acaso pela sua fraqueza que a criancinha tem direito ao amparo da mãe?

Sucede o mesmo no campo espiritual. A nossa extrema fraqueza é que nos dá direito a contarmos com a fortaleza divina. São as nossas misérias sem número que atraem sobre nós as ternuras do Coração de Jesus. Eis um ponto importante na luta pela santidade: fazer de cada uma das nossas faltas, mais ou menos voluntárias, uma espécie de ponto apoio para erguermos mais alto a confiança. Amor que perdeu a confiança já não é amor — é temor. E toda a angústia originada pela desconfiança não honra, fere o Coração de Deus.

Daí que a mencionada frase: “Honra a Deus com tua confiança”, a encontremos com freqüência repetida pelo Eterno Pai ou por Jesus a Soror Consolata. Um dia, 17 de setembro de 1935, Soror Consolata entretinha-se confidencialmente com Jesus: “Jesus — dizia-Lhe ela —, o falares Tu à minha pobre alma, o dignares-Te ser o seu Mestre, deveria constituir a maior alegria do meu Coração. E,contudo, vejo-me constrangida a permanecer como que indiferente, pois é tão grande a minha miséria, como certo não haver em mim absolutamente nada que possa atrair-me o teu olhar divino. E como assim o entendo, nasce-me, por vezes, a dúvida: Não serei eu uma grande iludida?… Jesus, perdoa-me! Sim, eu creio que Tu és bondade Infinita!” E Jesus, em resposta: “Olha, Consolata, as tuas misérias têm limites, mas o meu Amor não.”

Alguns dias depois, a 19 de setembro de 1935, dizia-Lhe ainda Soror Consolata: “Jesus, que Tu ames os lírios cândidos e imaculados, isso creio eu; mas a mim… isso não posso compreender!” E Jesus: “Se te lembranças que não vim para os justos, mas para os pecadores, compreenderás imediatamente, Consolata!”

“Uma tarde — escreve ela — estava eu desolada. Fui-me para diante do Tabernáculo e disse assim: — Jesus sou sempre a mesma; prometo e depois… — Também Eu sou sempre o mesmo; não mudo nunca! Mas disse-me isto com semelhante tom que a minha desolação se transformou em alegria: se não se afligia Ele, para que me havia de afligir eu?”

Segue-se que Jesus nunca por nada lha permitia contrariar-se por causa das faltas dela. Quando te acontecer caíres numa falta qualquer — comunicava-lhe Jesus a 2 de novembro de 1935 —, não te entristeças. Vem imediatamente depô-la no meu Coração e, em seguida, reforça o propósito da virtude contrária, mas com grande calma. Assim cada falta tua será um passo em frente.

Com grande calma… É que o inimigo é astuto e procede com tática: se ele consegue inocular numa alma o veneno da desconfiança, considera-se satisfeito. O resto vem sozinho. Virá em primeiro lugar à perturbação, tão perniciosa para a alma, como Jesus explicava a Soror Consolata a 2 de agosto de 1936: Se a alma se mantém calma,, então é senhora de si mesma; mas se se perturba, então são fáceis as quedas.

Tendo ela notado que Jesus tudo permitia na sua alma exceto a perturbação, perguntou-lhe um dia o motivo, e Jesus, cheio de bondade, fez-lhe compreender: que a alma em paz é como fresco manancial de água pura e límpida, onde Ele pode vir saciar sua sede sempre que quiser; mas se nela entra a perturbação, essa alma, ou seja, essa água fica como se fosse remexida com um pau que faz levantar o lodo, e então Jesus já não pode matar a sede.

E não só Jesus não pode matar a sede, mas o demônio, que precisamente pesca em águas turvas, encontra neste estado da alma o elemento adequado para as suas maléficas operações. Por isso, Jesus a preparava, ao dizer-lhe em 24 de setembro de 1936: A perturbação, é não deixá-la entrar nunca, nunca, nunca, porque se te perturbas, fica o demônio contente e a vitória será dele.

Essa tríplice nunca era confirmação da obediência que o Pe. Espiritual tinha imposto a Soror Consolata, a qual, nos seus grandes desejos de perfeição, era um pouco inclinada ao escrúpulo. Jesus lembrava-lhe essa obediência explicitamente: Lembra-te que a obediência te impõe o não dares nunca, nunca, nunca entrada à perturbação. Isto é para ti o mais importante.

Por conseguinte, nunca perder a confiança, para nunca se perturbar. Porque, de fato, quase sempre, detrás da perturbação está o desânimo, e quem desanima já não luta mais, portanto não avança mais; pelo contrário, facilmente retrocede. Não se ganha nada e perde-se muito. Ao menos se perde tempo.

“Compreendi, escreve Soror Consolata, que é louco o alpinista que, subindo para a meta, para desanimado por ter dado uma pequena escorregada, sem ousar já olhar para o píncaro almejado. E compreendi que, pelo contrário, é atilado aquele que, levantando-se prontamente, retoma confiante o caminho, sem por nada se perturbar e com propósito de não perder tempo, pronto a levantar-se a cada nova escorregada.” Por isso é que não será nunca demasiado ponderada pelas almas de boa vontade a seguinte lição de Jesus a Soror Consolata (7 de novembro de 1935):

Dize-me, Consolata, qual é mais perfeita: uma alma que com Jesus se lamenta sempre que é imperfeita, que está sempre a cometer faltas e infidelidades aos propósitos; ou uma alma que sorri sempre a Jesus, faz o que pode por amá-Lo, mas não se importa das imperfeições que não quer, para não perder tempo; ela ocupa-se só em continuar a amar a Jesus. Dize-me: qual destas duas almas te parece mais perfeita? Eu gosto mais da segunda.

Ora, então, tu, faze o que puderes para amar-Me, e quando caíres na conta de que és infiel, dá-Me um ato de amor mais ardente e a seguir retoma o teu canto de amor.

Jesus não é um tirano, e, se por um ato de amor perdoa uma existência de delitos, dize-Me, como poderá um dia lançar em rosto um pensamento inútil em que involuntariamente te tenhas demorado?

O dizer-Me e repetir-Me: “Olha, Jesus, para o que eu fiz: como Te sou infiel etc.”, são lamentos, é perda de tempo. Pelo contrário, um ato de amor mais ardente, ao mesmo passo que torna preciosa a tua alma, alegra a minha, entendeste?… Às imperfeições involuntárias não lhes dar sequer a honra de um olhar.

Há, portanto, que tender para a perfeição amando a Jesus, há que fazer todo o esforço por diminuir o número e a voluntariedade das faltas, e há que não deixar-se dominar depois pelo desânimo quando acontecer o cometê-las, confiando sempre na imensa bondade do Coração de Jesus, o qual não por elas retirará da alma o Seu amor, os Seus favores nem a Sua intimidade.

E, por este motivo, deixou Jesus a Soror Consolata, para as almas, a seguinte preciosa lembrança (15 de dezembro de 1935):

Acredita que não serás para Mim menos querida, mesmo quando a tua fraqueza te levar acaso a ser infiel às tuas promessas de silêncio etc. Olha, Consolata, o Meu Coração deixa-se subjugar mais pelas vossas misérias que pelas vossas virtudes.

Quem saiu justificado do templo? — O publicano. É que diante duma alma humilde e contrita, o Meu Coração não sabe conter-se… Sou assim!

Lembra-te sempre: que te amo e te amarei até à loucura, em qualquer momento e por qualquer fraqueza tua que não queiras, mas que cometas.

E, por conseguinte, jamais, jamais, jamais a menor dúvida de que Eu, por uma infidelidade tua, possa vir a faltar às minhas promessas; jamais, não é assim? Doutra forma, Consolata, ferir-Me-ias no íntimo do Coração!

Lembra-te que só Jesus sabe compreender a vossa fraqueza, só Ele conhece toda a humana fragilidade.

Consolata, essa culpa de duvidar que, por motivo das tuas infidelidades, Eu haja de cumprir as minhas promessas, tu não a cometerás nunca, nunca, nunca! Prometes-Mo, não é verdade? Não me farás semelhante ultraje, porque Me farias sofrer muito!

E não se creia que tudo isto se possa aplicar só a almas de avançada perfeição, qual era Soror Consolata que teria preferido a morte a cometer qualquer infidelidade com plena consciência. Repetimos: Jesus, através de Soror Consolata, propunha-se falar a todas as almas: mesmo àquelas que se encontram no começo da sua conversão ou renovação espiritual e sentem por isso ainda a rudeza da luta, do mesmo modo àquelas que depois de terem avançado no caminho da perfeição, e quando se julgavam já invulneráveis, a um assalto mais violento ou imprevisto do inimigo, vêm a experimentar ainda, permitindo-o assim Deus, a realidade triste da fragilidade humana. É então o momento de juntar as forças todas da alma em um supremo ato de confiança no Coração de Jesus. Ouçam todas estas almas as seguintes reconfortantes palavras que Jesus dirigia a Soror Consolata, na mesma ocasião acima mencionada:

Olha, Consolata, o inimigo, fará tudo para abalar a fé cega que tens em Mim, mas tu não esqueças nunca que Eu sou e gosto de ser exclusivamente bom e misericordioso.

Compreende Consolata, o meu Coração; compreende o meu amor e não permitas jamais, nem por um instante, que o inimigo penetre na tua alma com um pensamento de desconfiança, jamais! Acredita que sou só e sempre bom, acredita que sou só e sempre, para ti, mãe.

E assim, procura imitar as criancinhas que à mais ligeira arranhadela num dedo, correm logo para a mãe, para esta lhes fazer um curativo. Faze tu o mesmo, sempre, e lembra-te que Eu apagarei sempre, repararei sempre as tuas imperfeições e infidelidades, tal como a mãe fará sempre o curativo no dedo, doente na realidade ou só na imaginação.

E se a criancinha, em vez de um dedo, quebrar um braço ou a cabeça, dize-me, poderá descrever a ternura, a delicadeza, o afeto com que será enfaixada pela mãe?

Ora bem. Eu faria com a tua alma, a mesma coisa, embora nada dissesse se viesse a dar uma queda; entendeste Consolata?

Portanto, nunca, nunca, nunca admitir nem sequer sombra de desconfiança. A desconfiança fere-Me no íntimo do Coração e faz-Me sofrer.

De resto, prometia-lhe, para conforto dela, que não a deixaria cair em falhas graves: Não, querida, não te deixarei partir nenhum braço nem a cabeça. E, além disso, fica sabendo que o que te digo a ti servirá um dia para outras almas. Por isso te mando escrever.

Repitamos que esta lição divina é para todas as almas, já que na terra ninguém pode pretender ficar isento de defeitos ou imperfeições. Se dissermos que não temos pecado, nós mesmos nos enganamos e não há verdade em nós (1 Jo 1,8). Também Soror Consolata, não nos cansaremos de repeti-lo, teve os seus defeitos; nem ela os esconde, pelo contrário, como o leitor já deve ter verificado quase se compraz em pô-los a descoberto, insistindo e até carregando neles a mão.

Eram, o mais das vezes, defeitos externos, como explosões imprevistas do gênio, causadas quase sempre pelo zelo da observância. Ora, nós perguntamos: que peso de culpa poderia ter, diante de Deus, estes atos primo-primi numa alma de índole ardente, de caráter pronto e quase impetuoso, a ponto de a chamarem “relâmpago e tempestade”? — Numa alma que, talvez no mesmo dia, tinha já lutado, até ao heroísmo, por reprimir, não uma, mas dez, vinte vezes, os impulsos desordenados da natureza? E que, depois desses repentes, logo se arrependia, com a melhor das boas vontades se humilhava diante de Deus e das criaturas, com sincero propósito de emenda?

E é bom recordar, ademais, que muitas vezes, tais defeitos exteriores são como véu de que Deus se serve para esconder, a olhos alheios, os seus dons e operações numa alma.

Assim sucedeu com Soror Consolata. Respondendo Jesus ao pedido de passar inadvertida na comunidade, prometeu-lhe: Sim. Aniquilar-te-ei na dor e na humilhação! — Que humilhação? — Precisamente esta: de aparecer defeituosa. E note-se, aparecer defeituosa não só aos olhos alheios, o que conta e não conta, mas também aos próprios olhos, que é no que consiste verdadeiramente a humilhação.

São todas estas coisas, coisas que se sabem, mas praticamente se esquecem. Esquecemo-las quando de nós se trata: inquietando-nos, perturbando-nos e desanimado ao suceder-nos cometer qualquer falta. Esquecemo-las, sobretudo quando se trata do próximo: insurgindo-nos contra toda possível afirmação de santidade de uma alma, se nela enxergamos sequer uma sombra de defeito.

Queríamos ajuntar que é mais fácil descobrir tais defeitos nas almas generosas, ardentes, volitivas, as quais devoram lanços na corrida para a santidade, do que nas que medem as passadas e pedem licença a um pé para mudar o outro com medo de tropeçar. Os Santos não foram seres tímidos nem sequer meticulosos, mas audazes realizadores. Não dizemos presumidos, dizemos audazes. Não se perdiam em ninharias, iam ao sólido. “Os que nunca entram em combate — diz S. João Crisóstomo — nunca são feridos; quem se lança com ardor na refrega, muitas vezes é tocado.”

Esta digressão não nos parece inútil, dada a grande importância de as almas — e os diretores de almas — mão deixarem de lado o essencial para se ocuparem do supérfluo. Entretanto, eis como Jesus, continuando a sua mais que maternal exposição, encorajava a Soror Consolata: Queiras tu que Eu te prometesse não te deixar cair nunca, mas te mantivesse sempre fiel sempre perfeita? Não, Consolata, Eu não quero iludir-te. Por isso te digo que cometerás faltas e infidelidades e imperfeições; mas estas servir-te-ão para avançares, porque te levarão a fazer tantos e tantos atos de humildade.

Mas acontece que, ao passo que é fácil para a alma manter a confiança enquanto goza dos favores divinos, o mesmo se não pode já dizer quando caminha em trevas de espírito. Por isso, Jesus, preparando Soror Consolata também para esta eventualidade, punha-a assim de sobreaviso a 27 de novembro de 1935:

Sim, Consolata, hoje o céu da tua alma é belo como o céu da natureza. Consegues vê-lo? É cor-de-rosa e azul. Mas dentro em pouco, a este lindo céu de amor e de confiança, virão cobri-lo cerradas trevas…

Ânimo, Consolata! Serão dias frutuosos estes da prova. Neles poderás mostrar a Deus, com fatos, o teu amor e a tua confiança nEle! Oh! Confia, confia sempre em Jesus! Se soubesse como Me regozijo com isso!

Dá-Me sempre este conforto de confiar em Mim, mesmo em meio das trevas da morte. Dá-Me sempre a alegria, seja qual for a hora tenebrosa em que venhas a encontrar-te, de um “Jesus, a Ti em abandono! Creio no teu amor por mim e confio em Ti!”

Assim fez Soror Consolata, conservando inalterável a sua confiança, erguendo-a, até, cada vez mais alto. Desde o dia 14 de agosto de 1934, vigília da Assunção, deixava ela em mãos da Celeste Mãe, após havê-lo assinado com o próprio sangue, o seguinte voto da virtude da confiança: “Minha Mãe, em tuas mãos deponho o voto que faço a Deus N. Senhor de confiar na sua Bondade, e na sua misericórdia, sempre, seja qual for o estado em que venha a encontrar-se a minha alma, e de crer sempre no que Ele me prometeu. Ó doce Mãe, com o teu auxílio quero esperar, confiar e crer em tudo isto pela Onipotência do Deus da Bondade. Meu Deus, eu Te amo e me Ti confio!”.

“Meu Deus, em Ti confio!” ou então “Jesus, confio em Ti!” são expressões que ocorrem a cada passo nos escritos de Soror Consolata: são o selo de todos os seus propósitos, de cada novo erguer-se depois de qualquer infidelidade, de cada nova investida na conquista da perfeição. É acaso de espantar que o Coração de Jesus se deixasse vencer por tão grande confiança? Os dons divinos, a magnífica promessa feita por Ele a Soror Consolata é tudo fruto e prêmio, a um tempo, deste seu amor confiante. Soror Consolata é tudo fruto e prêmio, a um tempo, deste seu amor confiante. Soror Consolata acreditou. Acreditou, mas com fé que não só transporta, melhor, pulveriza as montanhas dos próprios defeitos, mas coloca até a mesma Onipotência de Deus ao serviço da criatura.

Jesus confirmava-lho: 6 de agosto de 1935. — Sabes o que Me atrai para a tua alma? — É a confiança cega que tens em Mim. 20 de outubro de 1935. — A confiança cega, infantil, sem limites, imensa, que tens em Mim, gosto muito dela, e é por isso que Me inclino para ti com tanto amor e ternura.

Por causa desta confiança fará Ele nela maravilhas sobre maravilhas (8 de outubro de 1935): Eu hei de fazer em Consolata coisas maravilhosas porque a tua confiança em Mim não tem escolhos.

Tu crê em Jesus, no seu Coração misericordioso: tudo é possível para quem crê.

Por esta confiança Ele a elevará às culminâncias da santidade (18 de novembro de 1935): Se tu tivesses confiado em ti mesma ou te tivesse apoiado exclusivamente numa criatura minha para chegares ao alto, terias caminhado a passo de lesma: mas tu confias só em Jesus, apoiaste-te no Onipotente, e então Eu levarei a cabo maravilhas, faremos vôos gigantescos.

Por esta confiança Ele derramará na alma dela os tesouros do Seu Coração Divino: Consolata, tu não pões limites à tua confiança em Mim, e Eu não ponho limites às minhas graças para contigo.

E é mesmo em atenção à confiança que Ele fará de Soror Consolata não só uma apóstola no mundo, mas a apóstola dos apóstolos. Esta promessa fazia-lha Jesus, por vez primeira, a 22 de outubro de 1935: Consolata farei de ti a apóstola dos apóstolos! Mais tarde, a 10 de dezembro de 1935, confirmava a mesma promessa e explicava-a,dizendo-lhe: Aquele Deus a quem aprouve tomar uma menina para fazer dela apóstola dos apóstolos em atenção à confiança que se deve ter em Deus, saberá ainda infundir a esta menina tanta e tal generosidade que a fará superar as provas e a conduzirá vencedora aos almejados píncaros.

Mais tarde ainda, a 3 de novembro de 1935, dava-lhe a Sua palavra acerca das provas que a esperavam:

Consolata, nada temas. Ninguém poderá deter, já agora, a tua carreira vertiginosa para a meta, ninguém, porque Eu estou em ti e tu confias somente, cega, totalmente no teu Jesus. Regozijo-me com isso, e verás o que chegarei a fazer de Consolata!

Não temas de nada nem de ninguém: tens contigo a Deus que olha por ti, que te protege como às pupilas dos seus olhos. Juro-te que corresponderás plenamente aos desígnios de Jesus sobre ti. “A quem crer em Mim, brotar-lhe-ão do seio rios de água viva.”

Oh! Confia, confia sempre em Jesus! Se soubesse quanto Me alegro com isso! Dá-me este conforto de confiares em Mim, mesmo entre as trevas da morte.

Não temas nunca de coisa alguma, confia em Jesus totalmente, só e sempre. E ainda quando desçam sobre a tua alma trevas avassaladoras, oh! Repete então mais intensamente: “Jesus, não mais Te vejo, não Te sinto já, mas em Ti confio e a Ti me abandono!” E assim, em toda e qualquer prova.

A tua confiança em Mim é grande, Consolata. Deixa que nos dias da prova se torne heróica.

E foi heróica. Pelos Exercícios Espirituais de 1942, quando já ia subindo o seu calvário, confiava ela ao diário esta página que merece ser citada por inteiro.

“… Alma minha, podes dizer, ante Deus, ter até hoje combatido sempre? Ter chegado à perfeição requerida? Ter mantido fidelidade aos propósitos feitos?… Meu Deus, que confusão, que vileza!… Mas, ó Jesus, não quero nem afligir-me, nem desanimar. Quero antes, desde este momento, com o teu auxílio, levantar-me, lutar, perseverar na luta, para poder eu também dizer, em ponto de morte, com S. Paulo: Combati o bom combate, cheguei ao fim da minha carreira, conservei a fé!

“Sei que luta contínua, enervante, tenaz, quotidiana me espera desde o despertar ao adormecer: a luta contra os maus pensamentos para conservar para Ti, imaculados, a mente, a língua e o coração. Sei que me espera esforço supremo de todas as energias para tributar-Te um ato incessante de amor, para ver-Te em tudo, para ter um “sim” generoso para cada pedido Teu. E sei ainda que o ódio de Satanás aproveitará todas as situações para procurar impedir, retardar ao menos, a ascensão amorosa para Ti.

“Por isso a batalha vai travar-se, decisiva, contra mim mesma, contra as criaturas, contra o inimigo. Jesus, não quero entrar no Paraíso, um minuto sequer, antes do que tu marcaste, mas também nem um minuto depois por culpa minha. Se Tu estás em mim, quem contra mim?”

“Jesus, quero, deste este momento até a morte, não deixar entrar em mim um pensamento, um desânimo, uma desconfiança. Jesus quero, apenas acordada, começar o ato de amor e continuá-lo, apesar de todas as investidas inimigas, até o momento de adormecer à noite. Jesus, sempre com a tua ajuda, quero ver-Te, falar-Te, servir-Te, em tudo. Jesus, quero responder ‘sim’ a toda vontade ou pedido Teu, direto ou indireto, a todo o sacrifício, a todo o ato de caridade, quero cumprir tudo com amor e a sorrir. Jesus, quero viver cada momento presente, e este momento,  em ato de amor de doação total ao Teu querer Divino, por Ti e pelas almas! Jesus, quero com a Tua graça permanecer em paz, e sorrir sempre, seja qual for o estado da minha alma!”

“Jesus, com Teu auxílio, não mais se volta atrás! E então, devendo avançar, por que arrastar-me? Por que fazer rir o inimigo com paragens e demoras, com desânimos e desconfianças?… Não, não mais! Quero, com Teu auxílio, ir avante, sempre avante! Mesmo ferida, sempre avante! E ainda quando for ao chão, com alguma queda, no meu caminho, quero — confiando em Ti — levantar-me imediatamente mesmo que fosse a milésima vez e no último instante do dia, e entoar de novo, energicamente, o meu canto, como se nada tivesse acontecido. Jesus Bom abençoa e conserva essa Tua vontade em mim!”

Que grande boa vontade, que generosidade e confiança nesta alma “pequenina”! Confiança que ela, na íntima convicção do próprio nada, na quotidiana experiência da própria fragilidade, firmava sobre estas divinas realidades: o amor, a onipotência e a fidelidade do Coração de Jesus.

Com efeito, escreve:

“Certa manhã dum dia de retiro (ao que me parece, no verão de 1931), não tendo podido fazer a Visita a Jesus Sacramentado com as demais Irmãs do Noviciado, tinha-me ido prostrar sozinha à porta do Santo Tabernáculo. Abro o livro do retiro e leio: ‘Creio que sois Onipotente! ’ Esta frase impressionou-me fundamente. Fecho o livro e recebo em plenitude a luz divina. A divina Onipotência! E compreendi que, apesar de todas as minhas extremas fragilidades e misérias, Deus podia fazer-me santa. E com a luz senti nova e forte esperança: a confiança em Deus! Se era Onipotente, se podia tudo, podia também realizar os meus imensos desejos! E daquele momento em diante, acreditei que tudo se viria a realizar. Ó Jesus, se esta noite a Tua débil criatura pode, com vontade resoluta, dizer-Te: ‘Estou pronta para tudo!’, a quem o devo senão à Onipotência misericordiosa, que operou o milagre da transformação, e que à minha inata fraqueza substitui a Tua força divina?”

Consolata fala de desejos imensos. Quais fossem e quais as respectivas e não menos admiráveis promessas divinas, pode ver-se no volume da Vida dela. Aqui diremos que, ao que nos parece, o ápice da confiança o atingiu ela ao manter sempre firmíssima no coração, apesar de tudo, a certeza da realização tanto dos seus ilimitados desejos de amor, de dor e de almas, como das promessas divinas respectivas. Baste, por ora, uma citação que recortamos de carta sua ao Padre Espiritual (10 de setembro de 1942):

“A minha oração mais ardente é agora pela intenção de obter amar a Jesus como ninguém o amou nunca e para salvar-lhe almas em igual medida, mas medida de número. E repito-Lhe isto a cada estação da Via-sacra até o aborrecer. Que quer Padre? A única esperança que tenho de obter isto está na oração insistente. Sei que sou miséria, inconstância e vileza; mas sei também que Ele é Onipotente, e que nada Lhe é impossível. Por isso, entre esta alma pequeníssima e o Deus Bom, está lançada a ponte da confiança, e em que pese à minha vileza suprema, creio que Jesus me concederá o que anseio.”

“Já não temo dor, luta, aniquilamento. Jesus deu-me a graça de amá-los, e admirar-me-ia e sofreria se não me encontrasse neste estado. Com grande ousadia, peço para sofrer como ninguém jamais tenha sofrido, porque não me fundo sobre mim mesma, vil por natureza, mas conto exclusivamente com Ele, que é Onipotente, pode tudo, até fazer com que eu suporte com alegria tanto sofrer. Peço anseio e creio que me será concedido isto. Às vezes, gracejando, digo-Lhe que se me não concede sofrimento e força para suportá-lo bem, Ele não será Onipotente: “E eu creio que Tu és Onipotente!”Parece-me poder-lhe afirmar Padre, que a minha carreira para a dor, como para o amor, começou.

“Ás vezes, à noite, ao fazer a Via-sacra, fitando as estrelas, penso: Que dirão os Santos do meu insistente pedido de amor, dor e almas, em grau tão excessivamente alto?… Se esse pedido partisse dum coração inocente, fiel, mas da Consolata!… Contudo, já agora, está lançado o repto de audaz confiança que tudo espera obter. Para quem crê tudo é possível; e Consolata crê, crê! Oh! meu Padre parece-me que a fé se tornou em mim tão grande tão grande!… E agarro-me tenazmente à oração para conservá-la, e, mais ainda, para, se é possível, fazê-la aumentar mais a cada instante. Repito: está lançada a ponte entre esta pobre criatura e o coração de Deus. Confiança sem limites!”

Semelhante arrojo de amorosa confiança está por si mesmo comentado, e explica a promessa tantas vezes feita por Jesus a esta alma querida: Consolata, no seio da Igreja, tu serás a confiança!

Podemos, ainda assim, tirar, desde já, do dito até agora, uma conclusão que explanaremos nas páginas seguintes, a saber: o amor, a vida de amor, conduz realmente a alma ao heroísmo de todas as virtudes, passando, vitoriosa, por cima das fragilidades da natureza humana.

[1] Pe. LOURENÇO SALES, Missionário da Consolata. O CORAÇÃO DE JESUS AO MUNDO. Dos escritos de Soror M. Consolata Betrone Religiosa Capuchinha, Edições Loyola. 5 edição. p 40/52